25 janeiro 2014

Fábula da grande ave

Era uma vez uma quinta onde havia um bonito galinheiro, tinha uma rede novinha, era limpo diariamente e comida não faltava. O dono era esmerado, muito orgulhoso das suas aves, tratava-as com carinho até, elas eram suas e davam-lhe dúzias de ovos. As aves maiores punham ovos grandes e deliciosos.
Um dia, encontrou nos terrenos da quinta uma ave bebé, maior do que as suas, estava caída, inconsciente. O quinteiro olhou para ela e esfregou as mãos de contente imaginando o belo ovo que ela lhe poderia dar. Levantou-a com cuidado, tratou-a e colocou-a no seu galinheiro.
No dia seguinte, a nova ave despertou e começou a movimentar-se agitadamente no galinheiro, era um espectáculo horrível para o quinteiro: penas por todo o lado, comedouros entornados, galinhas assustadas, e como se não bastasse, nem um ovo!
Pelo fim da tarde, entrou convictamente no galinheiro e amarrou as asas da grande ave. Pensou amarrar as patas e o bico, mas temeu que se ela não se alimentasse nunca lhe desse o grande ovo.
Com o passar dos dias, a grande ave foi desistindo do seu estranho comportamento e, depois de muito tempo sem comer, imitou as outras e bicou o chão com dificuldade para juntar o milho.
Um belo dia, o quinteiro até pensou ver o grande ovo, mas fora engano seu. Foi-se esquecendo da grande ave e já nem dava pela sua presença.
Dias havia em que a grande ave parecia querer voltar a libertar-se, bicava desesperadamente a rede do galinheiro e parecia gostar de assustar as outras que se punham a um canto. Então, a grande ave saboreava uma passeata solitária pelo galinheiro como se fosse um domínio só seu. Mas tudo isto fazia sem o quinteiro ver, para não prendê-la ainda mais.
E assim corria a vida, até que um pequeno rato entrou no galinheiro e comeu uns grãos. Grande alvoroço se gerou no galinheiro, o maior galo quis valer as suas galinhas e ia matando o pequeno rato se a grande ave não lhe barrasse o caminho. Levou umas bicadas furiosas, mas salvou o pequeno rato da morte quase certa. Enquanto o ratinho saia da gaiola, a grande ave observava-o com alegria, pois o ratinho podia andar lá fora e, vendo-o livre, sentia-se ela própria um pouco mais livre, pelo menos podia sonhar com a liberdade.
O quinteiro não lhe dava atenção, tratava-a com cordialidade porque não era um homem mau. Mas ela nunca punha ovos… Nem se podia libertá-la, pois pensava – o quinteiro - que ela não iria sobreviver e, na ideia dele, era melhor a segurança e o conforto do galinheiro do que o risco de morrer.
A grande ave sabia que o quinteiro era um homem bom, mas por vezes pensava em atacá-lo para poder fugir, porque se lhe pedisse ele não a deixava ir. Então tecia grandes planos de ataque e fuga, mas o remorso corroía-lhe a alma e ao vê-lo aproximar-se, baixava a cabeça e recolhia-se a um canto, de costas para ele, para que não percebesse o que lhe ia na alma.
De bom quinteiro para boa grande ave domesticada e de boa grande ave domesticada para bom quinteiro, era assim que os dias iam passando.
Mas, um belo dia, o pequeno rato voltou ao galinheiro, não pensava entrar, pois lembrava-se do perigo que correra, e a comida nem valia o risco! Mas a grande ave lá estava, que estranho! Já havia visto grandes aves daquelas, mas não num galinheiro, voavam muito depressa e até podiam ser perigosas para ratos fora da toca! Mas esta até o tinha ajudado, provavelmente bem mais do que podia pensar! O pequeno rato continuou por perto, estudando a grande ave, até que viu a corda que lhe prendia as asas… Lembrou-se das ratoeiras que vira na casa do quinteiro, e compreendeu o olhar triste da grande ave.
O pequeno rato lembrou-se das lições do Avô Rato, “Por vezes, é uma desvantagem ser pequenino, por vezes é uma vantagem ser pequenino, mas nunca és pequeno demais para realizares aquilo em que acreditas. Atreve-te!”
Assim foi que, de noite, quando todas as aves dormiam menos a grande ave que nunca conseguia ajeitar-se naquele lugar que não era o seu, o pequeno rato entrou no galinheiro. Queria roer as cordas, mas não conseguia ir para trás da ave que rodopiava em torno de si para observar o seu pequeno amigo! Então, o pequeno rato fez-lhe companhia até que ela adormecesse e, depois, pôs-se a roer toda a noite até que as cordas se soltaram. Feliz com o seu sucesso e orgulhoso do seu engenho saiu do galinheiro e ficou de atalaia. Bocejava ensonado, quando raiou o dia, daí a pouco lá estava o quinteiro a levar comida e água fresca ao galinheiro. A grande ave acabava de acordar e parecia sentir-se estranha, sacudia-se, agitava-se. O pequeno rato decidiu aproximar-se e depois do quinteiro entrar, começou a passear e a rebolar na relva à frente da grande ave, sugerindo-lhe a fuga, não fosse ela perder a oportunidade! Quando o viu, a grande ave bateu as asas de satisfação e, aí, compreendeu porque se sentia diferente e estranha desde que acordara. Num ápice, percebeu o perigo e discretamente fechou as asas.
Então, o pequeno rato chamou a atenção do quinteiro espalhando o saco do grão. Enquanto este perseguia o pequeno rato com a grande vassoura, a grande ave esvoaçou para fora do galinheiro. Com medo que as galinhas a seguissem, o quinteiro abandonou a perseguição ao pequeno rato que seguiu a ave na sua corrida desajeitada, numa confusão de patas e de asas que não pareciam conhecer a respectiva função.
A grande ave sentia enorme aflição, não sabia como mover-se, não sabia para onde devia ir! Quando cansada se acalmou um pouco viu o pequeno rato ofegante correndo ao seu lado. De imediato parou, queria agradecer-lhe, agora lembrava-se de que ele lhe fizera companhia à noite, que o seu sono fora profundo e leve, que ao acordar tinha as asas soltas e que quando o quinteiro abrira a porta tinha podido fugir. E o pequeno rato era o ser mais pequeno que conhecia!
O quinteiro não tinha vindo atrás de si! Claro, nunca lhe dera o belo ovo! Só continuava a tratá-la, porque não sabia o que fazer com ela. Entretanto, o pequeno rato pôs-se a andar à sua frente, distraidamente, sem saber o que mais fazer, a grande ave seguiu-o.
Primeiro, o pequeno rato levou-a a um campo de milho, onde ambos comeram, depois, continuaram a jornada, ele andando, ela esvoaçando, rumo às grandes montanhas.
Passados uns dias, estavam bem perto da montanha mais alta. O pequeno rato olhou para o céu e esperou. A grande ave observava-o. Subitamente, o pequeno rato agitou-se, olhou de novo para o céu onde uma grande ave voava em grandes círculos. De repente o pequeno rato pareceu enlouquecer e desatou aos pinotes e a correr velozmente. A grande ave do céu parou no seu voo com as enormes asas abertas, rapidamente fechou as asas e começou a cair em direcção ao pequeno rato! Grandes garras agarraram o frágil corpo do pequeno rato e a grande ave da terra viu o seu pequeno amigo desaparecer rumo aos céus. Em fúria agitou as asas, esticou o pescoço querendo alcançar a outra grande ave, correu um pouco e, subitamente, como se a força do seu querer lhe desse asas, elevou-se no ar e contendo a emoção bateu as asas como se sempre as tivesse usado assim!
Perseguiu a grande ave do céu até ao ninho para onde levara o pequeno rato, descobriu-o quase sem vida… Mas os pequenos olhos ainda brilhavam e, se ele não fosse um pequeno rato e ela uma grande ave da terra que era afinal do céu, pensaria que havia lágrimas de felicidade prontas a correr. Como se a linguagem dos pequenos ratos fosse a mesma das grandes aves do céu, ouviu-o agradecer-lhe por tê-lo inspirado e, assim, dado a oportunidade de tornar grande e gloriosa a vida de um pequeno rato da terra que agora, através dela, poderia explorar a grandeza ilimitada dos céus, porque oferecendo-lhe a sua vida por amor e generosidade, ganhara ele próprio as asas que nunca tivera.

(Uma fábula para a tua criança interior e para ensinares algo mais sobre a vida às crianças com quem convives)

Texto de Ana Isabel Teixeira de Freitas

4 comentários:

  1. Bela Lição de Vida!
    Obg pela partilha. Continue.

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  2. Quando acabei de ler a fábula, o meu filho (Rodrigo), com um grande sorriso na cara, disse: "Lindo mamã! Adorei! Diz à Prof.ª Isabel que se esta história estivesse num livro escrito por ela, eu comprava logo!"

    Esperamos por mais Prof.ª :)
    Abraço Luminoso
    Sara

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  3. Querido Rodrigo! Teremos sim mais histórias para contar... e contamos com leitores atentos como tu e a mamã :) Obrigada

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