(Texto escrito por
Ana Isabel Freitas)
Era
uma vez uma nau que amava a sua liberdade acima de tudo! Tinha sido construída
por mãos fortes e calosas de homens que sonhavam com viagens e aventuras. Os
sonhos destes homens haviam dado belas formas à nau e forjado também a sua
personalidade aventureira e livre.
Tão
nobre embarcação merecia um comandante à altura e veio o Senhor Capitão.
Depois,
vieram os marinheiros, homens um pouco rudes e brejeiros sempre enérgicos e
animados, prontos para uma nova partida. A sua irrequietude fazia com que se
cansassem rapidamente das poucas distracções que lhes ofereciam os portos de
passagem. Eram bons trabalhadores e, por isso, o seu capitão os ouvia e
abreviava, por vezes, a paragem no porto, quando todo o trabalho de carga e
descarga estava concluído.
Acontecia,
por obra do destino, que a manhã da partida era sempre uma manhã clara e serena
em que o próprio ar era cintilante e o céu parecia lavado de fresco. Era sempre
um dia de animação na azáfama dos últimos preparos.
E,
mais de uma vez, acontecera terem de voltar a atracar porque na ânsia da
partida um caixote ficara em terra ou o imediato, que auxiliava o capitão,
contara mal as cabeças a bordo e alguém berrava desesperadamente na ponta do
cais.
A
nau avançava e recuava divertida com a excitação dos homens que pareciam
crianças irrequietas e barulhentas. Atropelavam-se para executar as tarefas
como uma tropa pouco disciplinada.
O
capitão olhava-os com carinho de pai e, nesses momentos, não lhes ralhava. Com
o seu olhar arguto de velha águia, observava atentamente as manobras de
atracagem e de partida para que a sua preciosa nau não fosse ferida. Porém, os
homens estavam atentos e eram cheios de perícia pelo amor que tinham à sua casa
itinerante.
Os
primeiros dias no mar eram pacíficos e ordenados. A rotina parecia trazer
sossego aos homens cujas mentes estavam focadas no serviço e os corações apaziguados
sem grandes desafios, quais monges recolhidos ao mosteiro, ocupados nas lides
diárias e na contemplação do mar. As suas personalidades mudavam, os seus
gestos eram precisos e sem pressa, o seu discurso perdia as interjeições
grosseiras e limitava-se ao necessário, como se perder as palavras fosse perder
as forças de que tanto precisavam para as árduas tarefas. E executavam com
dedicação todas essas austeridades com profunda gratidão pela vida que Deus
lhes dera.
Antes
das refeições e ao final do dia, nunca faltava o momento de oração e de
agradecimento orientado pelo Senhor Capitão que, fardado a rigor, instruía os
seus homens nas coisas do espírito. Lia-lhes passagens bíblicas e histórias de
santos, rezavam as orações que o capitão escrevia nos seus momentos de descanso
e de contemplação.
Era
um homem inspirado e todos o admiravam e estimavam como seu Mestre e pai. A sua
presença tornava a vida na nau uma aventura de crescimento, o seu forte carisma
perfumava o ar e lançava um feitiço de acalmia que transformava homens rudes em
homens sensatos e sensíveis, aptos ao trabalho na terra e no mar e aptos ao
trabalho do Céu.
Não
havia nau como aquela! Cada aprendiz de marujo que se estreava a bordo era um
filho que renascia para aquela vida plena de significado, era um homem
abençoado e escolhido.
Quando
o capitão assim sentia, chamava o marujo para uma conversa e, terminada a sua
formação, o capitão sugeria que regressasse a casa para poder formar família e
experimentar outra profissão. Pedia-lhe também que ensinasse tudo o que
aprendera, porque poucos sempre são os homens dedicados que executam o grandioso
serviço do Pai.
Com
alguma tristeza indisfarçável lá ia aquele marujo, mas o seu coração estava
cheio de gratidão e por isso não havia revolta. A magia da gratidão e de
compreensão removia o apego do coração dos homens que, maduros, compreendiam
que a escola não é toda a vida, que ela prepara para a vida.
Na
nau, era necessário ser aplicado e disciplinado, era preciso saber obedecer aos
superiores e colaborar com todos. No entanto, a presença forte e orientadora do
capitão tornava a vida fácil, organizada e previsível. As dúvidas prontamente
esclarecidas, a orientação sempre presente.
Por
tudo isto, o sábio capitão “mandava” os seus marujos regressar a casa, ou seja,
ao palco da vida onde poderiam mostrar o que valiam por si mesmos e colher os
frutos da aprendizagem feita. Eles seriam homens de uma qualidade diferente.
Pelo menos, assim acreditava o Senhor Capitão, consciente do bom trabalho
feito.
Por
vezes, vinham notícias dos “irmãos regressados” e, esse, era dia de festa,
quando à hora da refeição vespertina o capitão lia as cartas que se
assemelhavam a contos, cheias de peripécias familiares e laborais.
Frequentemente, vinham fotos das mulheres e dos filhos, do casamento do marujo e
de outros eventos importantes no historial familiar.
E,
não raro, vinham notícias de um marujo que encontrara sentido numa vida
retirada de pastor de gado, faroleiro ou, imagine-se, monge! A vida na nau
despertava as almas adormecidas e, para alguns, a busca do Divino, era
imparável e urgente.
Depois
de uma quinzena em alto mar, os homens acusavam algum cansaço e irritabilidade.
Era hora de os aprimorar nas letras e nos números, de desenvolver os seus
intelectos e a sua capacidade de expressar. Alguns resistiram por algum tempo,
acabando por render-se perante as incitações certeiras do capitão-professor.
O
capitão dizia em jeito de brincadeira, mas muito a sério, que escolhera
capitanear a nau para poder ser professor dos melhores e mais atentos alunos.
Tal afirmação deixava os seus pupilos inchados de vaidade. Homens simples e rudes,
feitos quase doutores! Sim, doutores na mais importante arte, a de viver uma
vida sã e plena de significado.
Assim
era, a nau-escola, que se fazia ao mar, abrindo novos rumos e horizontes com a
ligeireza que sulcava os velhos mares sempre renovados…
Algures
na tua vida, surge um capitão-professor que te orientará para que encontres a
Vida Maior. Não percas o seu ministério, isso seria como dormir, quando o sol
brilha e despertar nas trevas profundas, para nunca conhecer a multicolorida e
bela Vida!
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